ESTRUTURAÇÃO DA MÁQUINA ADMINISTRATIVA NO BRASIL DESDE 1930: DIMENSÕES
ESTRUTURAIS E CULTURAIS
BUROCRATRIZAÇÃO DA ERA GETÚLIO VARGAS E A CRIAÇÃO
DO DASP.
Até o governo de Getúlio Vargas a administração pública era dominada
pelo patrimonialismo e pelo clientelismo,
com a política do país controlada por grupos
oligárquicos, principalmente de Minas
Gerais e São Paulo (a política do "Café com Leite").
Com a tomada do governo após o golpe revolucionário de 1930, outra classe se
apoderou do governo federal, sendo dominantes alguns setores das forças armadas.
O cenário era de grande crise
econômica, pois o "carro chefe" da economia brasileira no momento
era a cultura do Café e o mercado
para o produto tinha despencado após a crise da Bolsa de Nova York no ano
anterior. Sem as divisas do Café a
economia brasileira não tinha como pagar as importações de produtos que a
sociedade demandava.
O governo Getúlio então procurou fechar
a economia e buscar alternativas econômicas, voltando-se então para o
mercado interno através de incentivos à industrialização e a modernização
da máquina estatal.
Os empresários brasileiros passaram a ter um grande incentivo para investir, pois o mercado interno passava a
ser protegido da concorrência internacional e os consumidores não tinham mais
acesso aos produtos estrangeiros (redução da importação).
Com a aceleração da industrialização começa também a ocorrer um
crescimento da massa urbana de trabalhadores, introduzindo outros
"atores" no processo político.
Vargas inicia seu governo retirando poder dos governos estaduais, centralizando
o poder na União. O governo federal inicia também uma maior intervenção
econômica, saindo de um papel mais passivo para outro mais ativo na promoção do
desenvolvimento econômico. Portanto as saídas foram o protecionismo e o intervencionismo
econômico. Principalmente para exercer a segunda, teve de se
estruturar. O velho modelo patrimonialista da administração pública não
era mais adequado a uma economia industrial.
È nesse contexto que é criado o Conselho
Federal do Serviço Público Civil em 1936, depois transformado em 1938 no Departamento
Administrativo do Serviço Público - DASP. De acordo com Lustosa:
"O Dasp foi efetivamente
organizado em 1938, com a missão de definir e executar a política para o
pessoal civil, inclusive a admissão mediante concurso público e a capacitação
técnica do funcionalismo, promover a racionalização de métodos no serviço
público e elaborar o orçamento da União."
Foi uma reforma ambiciosa, que tinha como modelo a Burocracia profissional de Weber. Segundo Lustosa foi a primeira
tentativa sistemática de superar o modelo patrimonialista que tivemos na
administração pública brasileira:
"A reforma administrativa do
Estado Novo foi,
portanto, o primeiro esforço sistemático de superação do patrimonialismo. Foi uma
ação deliberada e ambiciosa no sentido da burocratização
do Estado brasileiro, que buscava introduzir no aparelho administrativo do país
a centralização, a impessoalidade, a hierarquia, o sistema de mérito, a
separação entre o público e o privado. Visava constituir uma administração
pública mais racional e eficiente, que pudesse assumir seu papel na condução do
processo de desenvolvimento..."
Os principais objetivos do DASP eram: A racionalização de métodos, processos e
procedimentos; A definição da política de recursos humanos, de compra de
materiais e finanças e a centralização e reorganização da administração pública
federal.
Com a introdução do modelo burocrático na administração pública
brasileira, promovida pelo DASP, se fortalece o princípio da meritocracia, em que os servidores passaram a ser
selecionados mediante concurso público e promoção baseada em avaliações de
desempenho.
A noção de sistema de mérito, proposto pelo DASP, apoiava-se em ingresso
mediante concurso, promoção conforme
o mérito e ascensão mediante
carreira.
Os princípios da Administração Científica, de Frederick Taylor, foram utilizados para
"nortear" a padronização e divisão do trabalho, bem como a
profissionalização dos servidores.
A reforma administrativa que foi implantada no Brasil nos anos 30 não
foi inovadora, pois o modelo
racional-legal (ou Burocrático) já havia sido implantado nos países
desenvolvidos décadas antes.
A Atuação do DASP ocorreu em três dimensões diferentes:
Criação de órgãos formuladores de políticas públicas, como
os conselhos, que
seriam responsáveis por formar consensos dentro da sociedade sobre diversos
temas
Expansão de órgãos da administração direta, como
ministérios e agências de fiscalização (neste governo foram criados diversos
ministérios, como o do Trabalho);
Expansão das atividades empresariais do Estado, com a criação de empresas
estatais, fundações públicas, sociedades de economia mista e autarquias (a
Companhia Vale do Rio Doce e a CSN - Companhia Siderúrgica Nacional foram
criadas nesta época!).
O DASP foi então o órgão que formulou e executou as mudanças na
administração pública no período. Porém as mudanças não alcançaram toda a
administração pública. Para certas carreiras foram introduzidos os
concursos públicos, promoção por mérito e salários adequados. Outras carreiras
de nível mais baixo continuaram sob as práticas
patrimonialistas e clientelistas, com nomeações políticas, salários
defasados e promoções somente por tempo de serviço. A Burocracia
convivia com o patrimonialismo.
Foi também introduzida a noção de planejamento
no orçamento público, ao invés deste ser somente uma relação detalhada de
despesas e receitas previstas. O Estado se preparava então para atuar de forma
mais ativa no desenvolvimento econômico.
O DASP perdeu muito de sua força modernizadora com a saída de
Vargas do poder em 1945. Após esse momento o departamento perdeu muitas de suas
funções e passou a fazer um trabalho mais rotineiro. A reforma não se completou,
mas tampouco foi revertida.
A implementação do Estado
Intervencionista da era Vargas (1º
Governo) marca o advento de um Estado Administrativo no Brasil,
que teve na criação do Dasp uma verdadeira revolução.
Essa revolução consistia em:
- emprego de tecnologia
administrativa de ponta: telégrafo, mimeógrafos, máquinas de datilografar,
fichários.
- profissionalizando
o serviço público segundo o mérito.
- diferenciação de
órgãos: Ministério, Secretarias, Coordenações, Seções, Setores.
- estabelecimento de
normas reguladoras da ação estatal e empresarial.
- mudanças
organizacionais: concurso, promoção, aposentadoria, processo disciplinar.
- ações e normas
racionalizadoras de métodos: formulários, organograma, fluxograma.
- processos
administrativos segundo os padrões tipicamente burocráticos: sindicância, PAD.
Críticas à mudança daspeana
A crítica mais comum
à disfuncionalidade do modelo daspeano concentra-se no seu caráter hermético, de sistema insulado pautado linearmente nos
inputs do regime de Vargas sob boa carga discricionária.
Consequência da disfuncionalidade
- hipertrofia do DASP
no contexto do Estado;
- extrapolação da
função de órgão central de administração (normatizador e executor direto) passando
a agência central de governo com poderes legislativos.
- Assumiu, de fato, a
infra-estrutura decisória do regime do estado novo.
- divórcio entre a
administração e o quadro social e econômico.
- não reverteu a
índole patrimonialista.
A Redemocratização e
o Advento da “Administração Paralela”
O período
compreendido entre 1945 e
1964 representa o desdobramento das estruturas institucionais do estado
tendo como pano de fundo o panorama político o retorno à democracia.
O desmonte
institucional do Estado Novo, a tentativa de reintrodução do dirigismo estatal
no novo governo Vargas, a adaptação institucional às estratégias desenvolvimentistas no governo JK e os ajustes da
disfuncionalidade burocrática e da crise
política e econômico-financeira do estado nos governos Quadros e Goulart
têm em comum a incapacidade ou
inconveniência em se aumentar o nível de racionalidade da administração
pública, que adotava predominantemente o clientelismo.
Governo Dutra
- Desmontou
parcialmente o aparato governamental do Estado Novo.
- Desativou as estruturas ad hoc de controle geradas a
partir da guerra, mas não dispensou os antigos colaboradores de Vargas,
necessários à operação das novas máquinas estaduais.
- nova aparelhagem
governamental, com muitos servidores e
sob a influência direta dos políticos.
- manteve o DASP, mas
reduziu o seu poder legislador.
Getúlio Vargas – 2º Governo
De volta ao poder,
Vargas ensaiou, em 1952, uma profunda reforma
administrativa, o que não implicava no soerguimento do DASP, senão
abarcava, em razoável amplitude, a organização macro-governamental e algumas
questões estruturais relativas ao funcionalismo.
No entanto, a
reforma, que chegou a condição de Projeto de Lei, jamais foi posta em prática.
Governo JK
Tendo como embrião as
missões americanas no início dos anos 40, o modelo da planificação (Administração
Paralela) tem seu apogeu nos 50 anos em 5 do governo JK,
desfalecendo com o fracasso das reformas de base no governo Goulart.
Administração Paralela foi
um artifício utilizado pelo governo JK para atingir o seu Plano de Metas (50
anos em 5) e seguir firme no seu projeto desenvolvimentista, desvinculando-se
das amarras da burocracia dos órgão da Administração Direta.
As grandes
transformações no estado e na sociedade geraram uma maior demanda sobre a
máquina governamental pública, impondo a adoção de soluções rápidas e ágeis
(sob a forma de conselhos, grupos executivos e comissões), que, sob o argumento
da temporariedade, tornaram-se estruturas paralelas aos órgãos já existentes.
Em que pesem as ações
da Comissão de Estudos e Projetos Administrativos (CEPA) e da Comissão para a
Simplificação Burocrática (COSB), ambas de 1956, voltadas à racionalização de
métodos e processos administrativos, havia um marcante hiato entre os propósitos do estado desenvolvimentista e suas estruturas ad hoc e a condição
operacional da burocracia permanente.
A dinâmica da
política nacional nesse período, no pleno exercício da democracia, abriu espaço
para a barganha instrumental, atendendo às conveniências políticas de empregar
e nomear para compor e coligar, práticas que resultaram em crescimento de
órgãos e quadros e destruição do sistema do mérito, fazendo predominar uma
racionalidade de barganha política clientelista.
Governo Quadros
O governo Quadros
concentrou-se programaticamente em dois principais pontos críticos:
- o funcionalismo.
- o esquema adhocrático implantado por JK.
Esta estratégia,
fortemente influenciada pela personalidade do presidente Quadros não
contribuiu, todavia, para a efetiva realização de reformas estruturais, até
mesmo devido à brevidade de seu mandato.
Governo Goulart
No governo Goulart, a
comissão Amaral Peixoto (posteriormente transformada em Ministério Extraordinário)
foi criada para propor diretrizes de um processo de reforma administrativa, com
o propósito de promover um ajuste à volta do regime presidencialista.
Analogamente às
reformas estruturais propostas no governo Goulart, a reforma administrativa não
se realizou.
Este período
representa três espécies de iniciativas:
- desetruturantes da racionalidade funcional
enfatizada no período anterior;
- estruturantes de novos padrões de
racionalidade funcional isolados em áreas restritas de atuação
administrativa, de motivação econômica;
- frustrantes tentativas em se retomar a
modernização estrutural da administração pública.
O ambiente político
retomou o poder nacional, apropriando-se e desmantelando um sistema
administrativo à prova da sua racionalidade.
Em suma, quer as
iniciativas tópicas, quer as iniciativas modernizantes, ainda que restritas,
não integravam o contexto político à realidade administrativa num processo
modernizante, a política desmodernizava
a administração e a administração moderna se resguardava da política, embora de
forma negociada.
O sistema
administrativo estatal esteve, neste período, aberto às influências da política
representativa, desinteressada na extensão dos esforços modernizantes em relação
às variáveis estruturais essenciais da administração e, complementarmente,
interessada quer em negociar os resultados das instâncias mais modernas, quer
em lucrar com a paralisia das mais atrasadas.
O Regime Militar e
sua “Administração para o Desenvolvimento”
Um dos compromissos
básicos do regime implantado em 1964 era o melhoramento da máquina da
administração pública.
O Decreto Lei nº 200/67,
marco inicial deste movimento, estabeleceu uma radical reestruturação na
administração pública Federal, baseada em princípios como planejamento,
organicidade, centralização decisória e normativa; e desconcentração
(descentralização funcional, no texto legal), notadamente por intermédio da
administração indireta, quer para atuar em setores produtivos da economia, quer
para o cumprimento, com mais flexibilidade, de funções típicas de estado.
As reformas iniciadas
em 1967 visavam a operacionalizar o modelo de administração para o
desenvolvimento, baseado na consolidação
burocrática de um estado forte, voltado para o desenvolvimento econômico,
cuja característica principal foi o predomínio da racionalidade funcional,
emanada da tecnoestrutura indispensável à manutenção do regime autoritário,
cujo viés dissociativo consistia na predominância do planejamento econômico
como núcleo decisório de governo e no crescimento desordenado da burocracia
governamental indireta.
As estruturas de
planejamento especializaram-se em formular planos e perderam a noção política
do planejamento, necessária a sua eficácia.
Já o crescimento desordenado da administração
indireta tornaria virtualmente impossível a retomada do controle
governamental, quer mediante o regime de supervisão ministerial, quer mediante
a instituição de mecanismos de controle econômico-financeiro atrelados ao
planejamento.
Este período
representou uma inequívoca racionalização funcional da administração pública,
embora concentrada na administração indireta, e portadora de disfuncionalidades
próprias.
O fato é que neste
período o aparelho do estado sofreu um vigoroso processo de modernização
administrativa, graças à ruptura que promoveu entre política e administração,
atributo do modelo decisório tecnocrático e pelo controle dos meios de produção
pela tecnoburocracia.
A própria noção de tecnoestrutura supõe uma
relação funcional entre estado e sociedade alheia à política, em parte, pelo
espaço preenchido pela força do regime, em parte devido a um processo de
esvazia-mento da elite política. As altas taxas de crescimento, por seu turno,
davam legitimidade ao sistema autoritário: “O povo, desiludido com os erros e
com o oportunismo dos ‘políticos’, parecia resignar-se, pelo menos
temporariamente, com o domínio dos tecnocratas sob tutela militar”.
Se o desenho
institucional tecnocrático implementado pelo regime militar, embora
dicotomizante, por um lado, insulou o Estado do patrimonialismo oriundo da política, por outro não logrou preservá-lo
da influência patrimonialista tecnocrática, que através de formas como a dos
anéis burocráticos e estratégias de ganhos crescentes auto-orientados (rent
seeking) manteve acesa a chama da cultura patrimonialista.
A Nova República e a
“Era da Desmodernização”
Esta fase inicia-se
com o advento da Nova República, e
estende-se ao final do governo Itamar Franco, na qual inicia-se um acentuado
processo de deterioração da administração pública, decorrente não só de
disfunções herdadas do modelo tecnocrático, mas, principalmente, do efeito da
política patrimonialista sobre a administração pública presente tanto na
incapacidade ou na inconveniência em se restabelecer a racionalidade funcional
do sistema quanto na implantação de padrões de irracionalidade política com
finalidades patrimonialistas.
A nova república herda um modelo tecnocrático
de administração pública que dava sinais de exaustão, não apenas pela
inexperiência em lidar com a racionalidade da política e dos políticos, mas
cujas condições de operação eram decrescentes.
O que estava em jogo
era a transição política e a transição do poder patrimonial, onde as alianças
que suportavam os anéis burocráticos passariam por uma revisão política. Os
desafios de resgatar a capacidade da burocracia pública em formular e
implementar políticas sociais e direcionar a administração pública para a
democracia foram sobrepostos pelo imperativo em tornar a administração pública
um instrumento de governabilidade, loteando áreas e cargos em busca do apoio
político necessário à superação das dificuldades da instabilidade política da
transição.
As promessas e as
insubsistentes tentativas de se reformar a administração pública, num período
de fragilidade das instituições, incertezas e, sobretudo, imaturidade política,
cairam por terra através do jogo fisiológico.
Paralelamente, o
avanço da crise econômica impôs a prática de ajustes conjunturais na economia e
a adoção de um modelo de ajuste do setor público de natureza predominantemente
fiscal que resultou numa fase de intensa desmodernização, ou seja, uma
quase completa desarticulação do sistema de formulação e implementação de
políticas públicas, sucateando a inteligência administrativa do Estado e o
patrimônio social constituído em períodos anteriores, parcialmente dilapidado
pelas políticas compensatórias de cunho demagógico.
Houve, no governo Sarney, um peso relativo maior
das políticas sociais na ação governamental mas a tentativa de
implantação de um Estado Social no
Brasil, estampada principalmente na Constituição de 1988, foi mal sucedida.
A incapacidade ou a
inconveniência de se reformar a administração foi, sobretudo, política,
agravada pela instituição de casuísmos constitucionais que desorganizaram o
sistema de carreira, a previdência do serviço público, sua estrutura e seu
regime funcional.
O governo Collor
herdou os escombros da máquina estatal dilacerada pela prática patrimonialista
da Nova República, cuja reconstrução era item programático de governo.
A reforma administrativa do governo
Collor fechou-se ao debate político, foi formulada mediante um baixo grau de
consenso social e implementada de maneira autoritária, inconsequente e
combativa.
O lema de moralização
do serviço público foi rapidamente desmoralizado por evidências de privatização
do estado no bojo da maior estrutura patrimonialista da história da república,
o esquema PC.
Não obstante
disfuncional, a reforma Collor foi
dissociativa, avessa à política, embora o final do governo Collor tenha
sido marcado por uma fase de intensa barganha instrumental com segmentos
partidários em busca de apoio.
A reforma
administrativa do governo Itamar Franco
caracterizou-se, inicialmente, pela reversão da reforma administrativa Collor,
o que implicou na reorganização da macro-estrutura governamental nos moldes da
Nova República, inclusive no que se refere à finalidade de barganha política por escalões de governo.
Fundamentalmente, o
governo Itamar Franco manteve-se incapacitado de iniciar um processo de ajuste
estrutural na administração pública, onde a barganha instrumental fortalecia-se
pelos momentos delicados do impeachment.
Neste período de
redemocratização o patrimonialismo tecnoburocrático deu lugar ao
político-corporativo, baseado em alianças político-partidárias perfeitamente
encaixadas na prática fisiológica em busca de recursos e influência sobre a administração
pública.
Por outro lado, uma
aliança patrimonialista com a burocracia miúda se deu pela via do
corporativismo, num ambiente marcado pela crescente politização do serviço
público e, consequentemente, pela conquista de privilégios condizentes com a
condição de categoria e classe social, mas não com a racionalidade burocrática
das carreiras.
As tentativas de
modernização da administração pública, notadamente no bojo do plano Collor,
foram alheias, senão contra, a política, indistintamente se se tratasse de
política fisiológica ou da política decorrente da democracia. Em ambos os casos
verifica-se o fenômeno da dissociação
entre política e administração pública no ambiente democrático, quer
mediante a repelência da política e dos políticos ao desenvolvimento da
racionalidade funcional na administração, quer vice-versa.
A
ÉTICA PATRIMONIALISTA E A MODERNIZAÇÃO DISSOCIATIVA
A trajetória
modernizante da administração pública brasileira representa, um difícil dilema,
que colocaria de um lado a administração racional e técnica, associada aos
regimes fortes e autoritários, e de outro a administração politizada,
deficiente e desmoralizada, que pareceria ser um atributo da democracia e da
participação social.
A trajetória da
modernização da administração pública brasileira, conforme apresentada, indica
a existência do estado patrimonialista como uma força social dinâmica
constitutiva deste processo.
A influência
localizada da ética patrimonialista sobre os períodos autoritários, onde
verificou-se um avanço relativo da racionalidade burocrática, revela apenas um lado
do sincretismo brasileiro: a burocracia patrimonial ou o estamento burocrático.
Um outro lado do sincretismo burocrático-patrimonialista é a modernização
dissociativa, onde a construção burocrática é tendencialmente obstaculizada
pela política.
A consequência é que
deste processo se obtém uma modernização incompleta, ressabiada, descolada e
ressentida da política.
O atual estágio de
percepção e intervenção a respeito da crise do estado tem suscitado a
proliferação de alternativas de reconstrução burocrática, ainda que sob
denominação de pós-burocrática, no ambiente democrático.
Não obstante, o
debate acerca das alternativas emergentes não tem se intensificado com o
necessário vigor e aprofundamento tanto no plano acadêmico quanto no político.
Se por um lado, os
atributos intrínsecos e as tecnicalidades de modelos e estratégias de inovação
gerencial no setor público são exaltadas pelos seus segmentos propositores, por
outro, algumas questões básicas têm sido relegadas a um segundo plano: em que
extensão a busca da excelência burocrática ou pós-burocrática na
administração pública brasileira está culturalmente associada com a exclusão da
política, haja vista sua condição de portadora de influências e anseios
patrimonialistas.
Neopatrimonialismo
O Estado brasileiro tem como
característica histórica predominante sua dimensão neopatrimonial, que é uma
forma de dominação política gerada no processo de transição para a modernidade
com o passivo de uma burocracia administrativa pesada e uma sociedade civil
(classes sociais, grupos religiosos, étnicos, lingüísticos) fraca e pouco
autoritária.
O processo de modernização atual
Em razão da
implementação da Administração Pública Gerencial, com status de norma
constitucional (EC 19/98), várias ações têm sido adotadas para modernizar o
serviço público, tais como:
- informatização da
administração pública.
- utilização de redes
de informações: intranet, internet.
- disponibilidade de
acesso de serviços pela rede mundial de computadores: certidões, notas fiscais,
imposto de renda, pagamento de tributos.
- criação de sistemas
nacionais: SIAPE, SIAFI, SISDOR, COMPRASNET, SISCOMEX, SIAFEM, E-COMPRAS.
- capacitação de
servidores.
- redução de níveis
hierárquicos.
- meritocracia para
comissionados.
- foco no cidadão.
- menor burocracia,
maior resultado.
- profissionalização
das organizações públicas: missão, negócio, objetivos.
ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA: DO MODELO RACIONAL-LEGAL AO PARADIGMA PÓS-BUROCRÁTICO
Os conceitos de
Administração Pública apresentados foram estabelecidos pelo Plano Diretor da Reforma do Aparelho do
Estado (1995).
1)
Administração
pública patrimonialista
Características:
1) Típico de
monarquias, pré-capitalistas;
2) O aparelho estatal
funciona como uma extensão do poder do soberano;
3) Os auxiliares do
soberano e os servidores possuem o status de nobreza real;
4) Os cargos são
considerados prebendas (pouco trabalho e alta remuneração);
5) As atividade
públicas são realizadas sem responsabilidade (sinecura);
6)A res pública (bens
públicos) não se distingue da res principis (coisa do soberano);
7) Sistema de privilégios
pessoais: gerontocracia, oligarquia, filhotismo.
8)Consequência:
Corrupção, nepotismo e não atendimento dos interesses da sociedade.
2)
Administração
pública burocrática
Características:
1)
Surgiu
no Estado liberal (democracia) – século XIX;
2)
Sistema
idealizado por Max Weber fundamentado no sistema racional-legal de organização.
3)
Finalidade
combater corrupção e nepotismo;
4)
Profissionalização
do serviço público: mérito, carreira, formalismo, hierarquia, impessoalidade,
cargo público;
5)
Controle
rigoroso e a priori dos processos (meios) sem se importar com as necessidades
da sociedade.
6)
Disfunções:
excesso de fila, formalismo, corrupção, clientelismo.
3)
Administração
pública gerencial
Características:
1)
Surgiu
na segunda metade do Século XX;
2)
Decorre
das atividades econômicas e sociais desenvolvidas pelo Estado;
3)
Busca
a eficiência do serviço público e qualidade na prestação desses serviços;
4)
Desenvolvimento
da cultura gerencial dentro da Administração Pública: uso das técnicas modernas
de Administração gerencial (gerencialismo);
5)
Apoia-se
na Administração Burocrática no uso de seus princípios;
6)
Controle
nos resultados e não nos processos.
Exercícios
1 - É
pela perspectiva weberiana que podemos ver que o Estado brasileiro tem como
característica histórica predominante sua dimensão neopatrimonial. Isto quer
dizer que:
a)
é uma forma de dominação política gerada no processo de transição para a
modernidade com o passivo de uma burocracia administrativa pesada e uma
sociedade civil fraca e pouco
autoritária.
b)
é uma forma de dominação política gerada
pelo gerencialismo na busca de resultados sociais.
c)
é o retorno do patrimonialismo focado no que estabelece a burocracia e o gerencialismo.
d
- é o domínio da atividade burocrática especializada sobre a política
tradicional.
2 - Assinale uma
característica que não é comum antes da Era Vargas:
a)
domínio da política por grupos oligárquicos
b)
clientelismo
c)
Política Café com Leite
d)
meritocracia
3 - Em decorrência do
sufocante Estado patrimonial, o Governo autoritário de Getúlio Vargas resolveu
modernizar a Administração Pública Brasileira. Assinale a alternativa que não é
causa desse processo modernização:
a)
falta de qualificação técnica dos servidores públicos
b)
crise econômica mundial que explodiu em 1929
c)
difusão da teoria keynesiana que pregava a intervenção do Estado na Economia
d)
presença dos paradigmas burocráticos difundidos por Max Weber, modelo
racional-legal, utilizado na República Velha.
4 - O auge das
mudanças administrativa no Brasil no período Vargas ocorreu em 1936 com a
criação do (a):
a)
Cia. Siderúrgica Nacional.
b)
Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP)
c)
Ministério do Trabalho
d)
Brasília
5 - O DASP tinha
como atribuição modernizar a máquina administrativa utilizando como
instrumentos a afirmação dos princípios do:
a)
mérito
b)
descentralização
c)
união do interesse público e privado em resposta ao patrimonialismo
d)
hierarquia, pessoalidade, rigidez e universalidade das regras
6 - Atualmente na
Administração Pública brasileira:
a)
existe a cultura do gerencialismo, não sendo mais presente a cultura
patrimonialista.
b)
a cultura do gerencialismo, da burocracia e do patrimonialismo convivem juntas
e
a especialização e qualificação dos servidores.
c)
a cultura do patrimonialismo não é amais combatida
d)
a burocracia foi totalmente substituída pelo modelo gerencial
7 - A primeira
tentativa de reforma administrativa objetivando reduzir a influência do
patrimonialismo foi realizada:
a)
reforma de 1967
b)
reforma de 1985 com a criação do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado
c)
criação do DASP
d)
administração paralela de Juscelino Kubsticheck
8 – A Administração
Pública Gerencial surgiu no Brasil inicialmente:
a)
Com a reforma Daspeana de 1936.
b)
Com a incorporação das teorias de Max Weber à organização administrativa.
c)
com a aplicação dos pressupostos da administração pública empírica.
d)
com a reforma administrativa decorrente do Decreto-Lei nº 200/67.
9 – Considerando os
modelos teóricos de Administração Pública, é incorreto afirmar que, em nosso
país:
a)
o maior trunfo do gerencialismo foi fazer com que o modelo burocrático
incorporasse valores de eficiência, eficácia e competitividade.
b)
o patrimonialismo pré-burocrático ainda sobrevive, por meio das evidências de
nepotismo, gerontocracia e designações para cargos públicos baseadas na
lealdade política.
c)
a abordagem gerencial foi claramente inspirada na teoria administrativa
moderna, trazendo, para os administradores públicos, a linguagem e as
ferramentas da administração privada.
d)
no Núcleo Estratégico do Estado, a prevalência do modelo burocrático se
justifica pela segurança que ele proporciona.
Assinale
V ou F, conforme sejam verdadeiras ou falsas as assertivas:
10. (CESPE/
TRE-MA / ANAL JUD/2005) Nos anos 30 do século passado, nos quadros de um
regime autoritário, foi criada a burocracia profissional no país, cujo órgão
central coordenador do processo de modernização foi o DASP.
11. (CESPE/
MTE / ADMINISTRAÇÃO/ 2008) O Estado oligárquico, no Brasil, é identificado
com a República Velha, e caracteriza-se pela associação entre as instituições
políticas tradicionais e as entidades da sociedade civil mobilizadas em torno
dos segmentos mais pobres e desprotegidos da população, por meio de fortes
redes de proteção social.
12. (CESPE/INMETRO
/ GESTÃO ESTRATÉGICA - 2007) A criação do Departamento Administrativo do
Serviço Público (DASP), na década de 30, representou um marco na busca da
racionalização e do desenvolvimento de métodos e procedimentos padronizados
para a atuação dos agentes públicos.
13. (CESPE/
MPS - ADMINISTRADOR/2010) O Estado oligárquico, modelo adotado no século
passado, no Brasil, antes do primeiro governo Vargas, atribuía pouca
importância às políticas sociais, o que fortaleceu o papel de instituições
religiosas, voltadas para o atendimento das populações mais pobres e
desprotegidas.
14. (CESPE/
STM / ANAL JUD/2004) A década de 30 do século passado caracterizou-se por
uma significativa centralização no nível político e econômico. Nesse período,
assistiu-se ao fortalecimento do Estado intervencionista, cuja expansão se deu
mediante três linhas de ação: criação de órgãos e departamentos formuladores de
políticas públicas; expansão dos órgãos da administração direta; e expansão
empresarial do Estado.
15. (CESPE/
TRE-BA /ANAL JUD - ADMINISTRATIVA/2010) O período de 1937
a 1945, que ficou conhecido como Estado Novo, caracterizou-se pelas ações
do poder absoluto de Getúlio Vargas, que suspendeu os direitos individuais do
povo e extinguiu partidos políticos. Por outro lado, esse mesmo poder atendeu
reivindicações trabalhistas como a limitação da jornada de trabalho, a
instituição do salário mínimo e o reconhecimento do direito de férias
remuneradas.
16.
(CESPE - TCE-AC/ACE - 2008) A função orçamentária, como atividade formal e
permanentemente vinculada ao planejamento, já estava consagrada na gestão
pública brasileira quando da implantação do modelo de administração
burocrática.
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