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terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Administração Pública 1

ESTRUTURAÇÃO DA MÁQUINA ADMINISTRATIVA NO BRASIL DESDE 1930: DIMENSÕES ESTRUTURAIS E CULTURAIS

BUROCRATRIZAÇÃO DA ERA GETÚLIO VARGAS E A CRIAÇÃO DO DASP.
Até o governo de Getúlio Vargas a administração pública era dominada pelo patrimonialismo e pelo clientelismo, com a política do país controlada por grupos oligárquicos, principalmente de Minas Gerais e São Paulo (a política do "Café com Leite").
Com a tomada do governo após o golpe revolucionário de 1930, outra classe se apoderou do governo federal, sendo dominantes alguns setores das forças armadas.
O cenário era de grande crise econômica, pois o "carro chefe" da economia brasileira no momento era a cultura do Café e o mercado para o produto tinha despencado após a crise da Bolsa de Nova York no ano anterior. Sem as divisas do Café a economia brasileira não tinha como pagar as importações de produtos que a sociedade demandava.
O governo Getúlio então procurou fechar a economia e buscar alternativas econômicas, voltando-se então para o mercado interno através de incentivos à industrialização e a modernização da máquina estatal.
Os empresários brasileiros passaram a ter um grande incentivo para investir, pois o mercado interno passava a ser protegido da concorrência internacional e os consumidores não tinham mais acesso aos produtos estrangeiros (redução da importação).
Com a aceleração da industrialização começa também a ocorrer um crescimento da massa urbana de trabalhadores, introduzindo outros "atores" no processo político.
Vargas inicia seu governo retirando poder dos governos estaduais, centralizando o poder na União. O governo federal inicia também uma maior intervenção econômica, saindo de um papel mais passivo para outro mais ativo na promoção do desenvolvimento econômico. Portanto as saídas foram o protecionismo e o intervencionismo econômico. Principalmente para exercer a segunda, teve de se estruturar. O velho modelo patrimonialista da administração pública não era mais adequado a uma economia industrial.
È nesse contexto que é criado o Conselho Federal do Serviço Público Civil em 1936, depois transformado em 1938 no Departamento Administrativo do Serviço Público - DASP. De acordo com Lustosa:
"O Dasp foi efetivamente organizado em 1938, com a missão de definir e executar a política para o pessoal civil, inclusive a admissão mediante concurso público e a capacitação técnica do funcionalismo, promover a racionalização de métodos no serviço público e elaborar o orçamento da União."

Foi uma reforma ambiciosa, que tinha como modelo a Burocracia profissional de Weber. Segundo Lustosa foi a primeira tentativa sistemática de superar o modelo patrimonialista que tivemos na administração pública brasileira:
"A reforma administrativa do Estado Novo foi, portanto, o primeiro esforço sistemático de superação do patrimonialismo. Foi uma ação deliberada e ambiciosa no sentido da burocratização do Estado brasileiro, que buscava introduzir no aparelho administrativo do país a centralização, a impessoalidade, a hierarquia, o sistema de mérito, a separação entre o público e o privado. Visava constituir uma administração pública mais racional e eficiente, que pudesse assumir seu papel na condução do processo de desenvolvimento..."

Os principais objetivos do DASP eram: A racionalização de métodos, processos e procedimentos; A definição da política de recursos humanos, de compra de materiais e finanças e a centralização e reorganização da administração pública federal.
Com a introdução do modelo burocrático na administração pública brasileira, promovida pelo DASP, se fortalece o princípio da meritocracia, em que os servidores passaram a ser selecionados mediante concurso público e promoção baseada em avaliações de desempenho.
A noção de sistema de mérito, proposto pelo DASP, apoiava-se em ingresso mediante concurso, promoção conforme o mérito e ascensão mediante carreira.
Os princípios da Administração Científica, de Frederick Taylor, foram utilizados para "nortear" a padronização e divisão do trabalho, bem como a profissionalização dos servidores.
A reforma administrativa que foi implantada no Brasil nos anos 30 não foi inovadora, pois o modelo racional-legal (ou Burocrático) já havia sido implantado nos países desenvolvidos décadas antes.
A Atuação do DASP ocorreu em três dimensões diferentes:
 Criação de órgãos formuladores de políticas públicas, como os conselhos, que seriam responsáveis por formar consensos dentro da sociedade sobre diversos temas
 Expansão de órgãos da administração direta, como ministérios e agências de fiscalização (neste governo foram criados diversos ministérios, como o do Trabalho);
Expansão das atividades empresariais do Estado, com a criação de empresas estatais, fundações públicas, sociedades de economia mista e autarquias (a Companhia Vale do Rio Doce e a CSN - Companhia Siderúrgica Nacional foram criadas nesta época!).
O DASP foi então o órgão que formulou e executou as mudanças na administração pública no período. Porém as mudanças não alcançaram toda a administração pública. Para certas carreiras foram introduzidos os concursos públicos, promoção por mérito e salários adequados. Outras carreiras de nível mais baixo continuaram sob as práticas patrimonialistas e clientelistas, com nomeações políticas, salários defasados e promoções somente por tempo de serviço. A Burocracia convivia com o patrimonialismo.
Foi também introduzida a noção de planejamento no orçamento público, ao invés deste ser somente uma relação detalhada de despesas e receitas previstas. O Estado se preparava então para atuar de forma mais ativa no desenvolvimento econômico.
 O DASP perdeu muito de sua força modernizadora com a saída de Vargas do poder em 1945. Após esse momento o departamento perdeu muitas de suas funções e passou a fazer um trabalho mais rotineiro. A reforma não se completou, mas tampouco foi revertida.
            A implementação do Estado Intervencionista da era Vargas (1º Governo) marca o advento de um Estado Administrativo no Brasil, que teve na criação do Dasp uma verdadeira revolução.
Essa revolução consistia em:
- emprego de tecnologia administrativa de ponta: telégrafo, mimeógrafos, máquinas de datilografar, fichários.
- profissionalizando o serviço público segundo o mérito.
- diferenciação de órgãos: Ministério, Secretarias, Coordenações, Seções, Setores.
- estabelecimento de normas reguladoras da ação estatal e empresarial.
- mudanças organizacionais: concurso, promoção, aposentadoria, processo disciplinar.
- ações e normas racionalizadoras de métodos: formulários, organograma, fluxograma.
- processos administrativos segundo os padrões tipicamente burocráticos: sindicância, PAD.

Críticas à mudança daspeana

A crítica mais comum à disfuncionalidade do modelo daspeano concentra-se no seu caráter hermético, de sistema insulado pautado linearmente nos inputs do regime de Vargas sob boa carga discricionária.

Consequência da disfuncionalidade

- hipertrofia do DASP no contexto do Estado;
- extrapolação da função de órgão central de administração (normatizador e executor direto) passando a agência central de governo com poderes legislativos.
- Assumiu, de fato, a infra-estrutura decisória do regime do estado novo.
- divórcio entre a administração e o quadro social e econômico.
- não reverteu a índole patrimonialista.
A Redemocratização e o Advento da “Administração Paralela”

O período compreendido entre 1945 e 1964 representa o desdobramento das estruturas institucionais do estado tendo como pano de fundo o panorama político o retorno à democracia.
O desmonte institucional do Estado Novo, a tentativa de reintrodução do dirigismo estatal no novo governo Vargas, a adaptação institucional às estratégias desenvolvimentistas no governo JK e os ajustes da disfuncionalidade burocrática e da crise política e econômico-financeira do estado nos governos Quadros e Goulart têm em comum a incapacidade ou inconveniência em se aumentar o nível de racionalidade da administração pública, que adotava predominantemente o clientelismo.

Governo Dutra

- Desmontou parcialmente o aparato governamental do Estado Novo.
- Desativou as estruturas ad hoc de controle geradas a partir da guerra, mas não dispensou os antigos colaboradores de Vargas, necessários à operação das novas máquinas estaduais.
- nova aparelhagem governamental, com muitos servidores e sob a influência direta dos políticos.
- manteve o DASP, mas reduziu o seu poder legislador.

Getúlio Vargas – 2º Governo

De volta ao poder, Vargas ensaiou, em 1952, uma profunda reforma administrativa, o que não implicava no soerguimento do DASP, senão abarcava, em razoável amplitude, a organização macro-governamental e algumas questões estruturais relativas ao funcionalismo.
No entanto, a reforma, que chegou a condição de Projeto de Lei, jamais foi posta em prática.

Governo JK
Tendo como embrião as missões americanas no início dos anos 40, o modelo da planificação (Administração Paralela) tem seu apogeu nos 50 anos em 5 do governo JK, desfalecendo com o fracasso das reformas de base no governo Goulart.
Administração Paralela foi um artifício utilizado pelo governo JK para atingir o seu Plano de Metas (50 anos em 5) e seguir firme no seu projeto desenvolvimentista, desvinculando-se das amarras da burocracia dos órgão da Administração Direta.
As grandes transformações no estado e na sociedade geraram uma maior demanda sobre a máquina governamental pública, impondo a adoção de soluções rápidas e ágeis (sob a forma de conselhos, grupos executivos e comissões), que, sob o argumento da temporariedade, tornaram-se estruturas paralelas aos órgãos já existentes.
Em que pesem as ações da Comissão de Estudos e Projetos Administrativos (CEPA) e da Comissão para a Simplificação Burocrática (COSB), ambas de 1956, voltadas à racionalização de métodos e processos administrativos, havia um marcante hiato entre os propósitos do estado desenvolvimentista e suas estruturas ad hoc e a condição operacional da burocracia permanente.
A dinâmica da política nacional nesse período, no pleno exercício da democracia, abriu espaço para a barganha instrumental, atendendo às conveniências políticas de empregar e nomear para compor e coligar, práticas que resultaram em crescimento de órgãos e quadros e destruição do sistema do mérito, fazendo predominar uma racionalidade de barganha política clientelista.
Governo Quadros
O governo Quadros concentrou-se programaticamente em dois principais pontos críticos:
- o funcionalismo.

- o esquema adhocrático implantado por JK.
Esta estratégia, fortemente influenciada pela personalidade do presidente Quadros não contribuiu, todavia, para a efetiva realização de reformas estruturais, até mesmo devido à brevidade de seu mandato.

Governo Goulart

No governo Goulart, a comissão Amaral Peixoto (posteriormente transformada em Ministério Extraordinário) foi criada para propor diretrizes de um processo de reforma administrativa, com o propósito de promover um ajuste à volta do regime presidencialista.
Analogamente às reformas estruturais propostas no governo Goulart, a reforma administrativa não se realizou.
Este período representa três espécies de iniciativas:
- desetruturantes da racionalidade funcional enfatizada no período anterior;
- estruturantes de novos padrões de racionalidade funcional isolados em áreas restritas de atuação administrativa, de motivação econômica;
- frustrantes tentativas em se retomar a modernização estrutural da administração pública.
O ambiente político retomou o poder nacional, apropriando-se e desmantelando um sistema administrativo à prova da sua racionalidade.
Em suma, quer as iniciativas tópicas, quer as iniciativas modernizantes, ainda que restritas, não integravam o contexto político à realidade administrativa num processo modernizante, a política desmodernizava a administração e a administração moderna se resguardava da política, embora de forma negociada.
O sistema administrativo estatal esteve, neste período, aberto às influências da política representativa, desinteressada na extensão dos esforços modernizantes em relação às variáveis estruturais essenciais da administração e, complementarmente, interessada quer em negociar os resultados das instâncias mais modernas, quer em lucrar com a paralisia das mais atrasadas.
O Regime Militar e sua “Administração para o Desenvolvimento”
Um dos compromissos básicos do regime implantado em 1964 era o melhoramento da máquina da administração pública.
O Decreto Lei nº 200/67, marco inicial deste movimento, estabeleceu uma radical reestruturação na administração pública Federal, baseada em princípios como planejamento, organicidade, centralização decisória e normativa; e desconcentração (descentralização funcional, no texto legal), notadamente por intermédio da administração indireta, quer para atuar em setores produtivos da economia, quer para o cumprimento, com mais flexibilidade, de funções típicas de estado.
As reformas iniciadas em 1967 visavam a operacionalizar o modelo de administração para o desenvolvimento, baseado na consolidação burocrática de um estado forte, voltado para o desenvolvimento econômico, cuja característica principal foi o predomínio da racionalidade funcional, emanada da tecnoestrutura indispensável à manutenção do regime autoritário, cujo viés dissociativo consistia na predominância do planejamento econômico como núcleo decisório de governo e no crescimento desordenado da burocracia governamental indireta.
As estruturas de planejamento especializaram-se em formular planos e perderam a noção política do planejamento, necessária a sua eficácia.
Já o crescimento desordenado da administração indireta tornaria virtualmente impossível a retomada do controle governamental, quer mediante o regime de supervisão ministerial, quer mediante a instituição de mecanismos de controle econômico-financeiro atrelados ao planejamento.
Este período representou uma inequívoca racionalização funcional da administração pública, embora concentrada na administração indireta, e portadora de disfuncionalidades próprias.
O fato é que neste período o aparelho do estado sofreu um vigoroso processo de modernização administrativa, graças à ruptura que promoveu entre política e administração, atributo do modelo decisório tecnocrático e pelo controle dos meios de produção pela tecnoburocracia.
A própria noção de tecnoestrutura supõe uma relação funcional entre estado e sociedade alheia à política, em parte, pelo espaço preenchido pela força do regime, em parte devido a um processo de esvazia-mento da elite política. As altas taxas de crescimento, por seu turno, davam legitimidade ao sistema autoritário: “O povo, desiludido com os erros e com o oportunismo dos ‘políticos’, parecia resignar-se, pelo menos temporariamente, com o domínio dos tecnocratas sob tutela militar”.
Se o desenho institucional tecnocrático implementado pelo regime militar, embora dicotomizante, por um lado, insulou o Estado do patrimonialismo oriundo da política, por outro não logrou preservá-lo da influência patrimonialista tecnocrática, que através de formas como a dos anéis burocráticos e estratégias de ganhos crescentes auto-orientados (rent seeking) manteve acesa a chama da cultura patrimonialista.
A Nova República e a “Era da Desmodernização”
Esta fase inicia-se com o advento da Nova República, e estende-se ao final do governo Itamar Franco, na qual inicia-se um acentuado processo de deterioração da administração pública, decorrente não só de disfunções herdadas do modelo tecnocrático, mas, principalmente, do efeito da política patrimonialista sobre a administração pública presente tanto na incapacidade ou na inconveniência em se restabelecer a racionalidade funcional do sistema quanto na implantação de padrões de irracionalidade política com finalidades patrimonialistas.
A nova república herda um modelo tecnocrático de administração pública que dava sinais de exaustão, não apenas pela inexperiência em lidar com a racionalidade da política e dos políticos, mas cujas condições de operação eram decrescentes.
O que estava em jogo era a transição política e a transição do poder patrimonial, onde as alianças que suportavam os anéis burocráticos passariam por uma revisão política. Os desafios de resgatar a capacidade da burocracia pública em formular e implementar políticas sociais e direcionar a administração pública para a democracia foram sobrepostos pelo imperativo em tornar a administração pública um instrumento de governabilidade, loteando áreas e cargos em busca do apoio político necessário à superação das dificuldades da instabilidade política da transição.
As promessas e as insubsistentes tentativas de se reformar a administração pública, num período de fragilidade das instituições, incertezas e, sobretudo, imaturidade política, cairam por terra através do jogo fisiológico.
Paralelamente, o avanço da crise econômica impôs a prática de ajustes conjunturais na economia e a adoção de um modelo de ajuste do setor público de natureza predominantemente fiscal que resultou numa fase de intensa desmodernização, ou seja, uma quase completa desarticulação do sistema de formulação e implementação de políticas públicas, sucateando a inteligência administrativa do Estado e o patrimônio social constituído em períodos anteriores, parcialmente dilapidado pelas políticas compensatórias de cunho demagógico.
Houve, no governo Sarney, um peso relativo maior das políticas sociais na ação governamental mas a tentativa de implantação de um Estado Social no Brasil, estampada principalmente na Constituição de 1988, foi mal sucedida.
A incapacidade ou a inconveniência de se reformar a administração foi, sobretudo, política, agravada pela instituição de casuísmos constitucionais que desorganizaram o sistema de carreira, a previdência do serviço público, sua estrutura e seu regime funcional.
O governo Collor herdou os escombros da máquina estatal dilacerada pela prática patrimonialista da Nova República, cuja reconstrução era item programático de governo.
A reforma administrativa do governo Collor fechou-se ao debate político, foi formulada mediante um baixo grau de consenso social e implementada de maneira autoritária, inconsequente e combativa.
O lema de moralização do serviço público foi rapidamente desmoralizado por evidências de privatização do estado no bojo da maior estrutura patrimonialista da história da república, o esquema PC.
Não obstante disfuncional, a reforma Collor foi dissociativa, avessa à política, embora o final do governo Collor tenha sido marcado por uma fase de intensa barganha instrumental com segmentos partidários em busca de apoio.
A reforma administrativa do governo Itamar Franco caracterizou-se, inicialmente, pela reversão da reforma administrativa Collor, o que implicou na reorganização da macro-estrutura governamental nos moldes da Nova República, inclusive no que se refere à finalidade de barganha política por escalões de governo.
Fundamentalmente, o governo Itamar Franco manteve-se incapacitado de iniciar um processo de ajuste estrutural na administração pública, onde a barganha instrumental fortalecia-se pelos momentos delicados do impeachment.
Neste período de redemocratização o patrimonialismo tecnoburocrático deu lugar ao político-corporativo, baseado em alianças político-partidárias perfeitamente encaixadas na prática fisiológica em busca de recursos e influência sobre a administração pública.
Por outro lado, uma aliança patrimonialista com a burocracia miúda se deu pela via do corporativismo, num ambiente marcado pela crescente politização do serviço público e, consequentemente, pela conquista de privilégios condizentes com a condição de categoria e classe social, mas não com a racionalidade burocrática das carreiras.
As tentativas de modernização da administração pública, notadamente no bojo do plano Collor, foram alheias, senão contra, a política, indistintamente se se tratasse de política fisiológica ou da política decorrente da democracia. Em ambos os casos verifica-se o fenômeno da dissociação entre política e administração pública no ambiente democrático, quer mediante a repelência da política e dos políticos ao desenvolvimento da racionalidade funcional na administração, quer vice-versa. 
A ÉTICA PATRIMONIALISTA E A MODERNIZAÇÃO DISSOCIATIVA
A trajetória modernizante da administração pública brasileira representa, um difícil dilema, que colocaria de um lado a administração racional e técnica, associada aos regimes fortes e autoritários, e de outro a administração politizada, deficiente e desmoralizada, que pareceria ser um atributo da democracia e da participação social.
A trajetória da modernização da administração pública brasileira, conforme apresentada, indica a existência do estado patrimonialista como uma força social dinâmica constitutiva deste processo.
A influência localizada da ética patrimonialista sobre os períodos autoritários, onde verificou-se um avanço relativo da racionalidade burocrática, revela apenas um lado do sincretismo brasileiro: a burocracia patrimonial ou o estamento burocrático. Um outro lado do sincretismo burocrático-patrimonialista é a modernização dissociativa, onde a construção burocrática é tendencialmente obstaculizada pela política.
A consequência é que deste processo se obtém uma modernização incompleta, ressabiada, descolada e ressentida da política.
O atual estágio de percepção e intervenção a respeito da crise do estado tem suscitado a proliferação de alternativas de reconstrução burocrática, ainda que sob denominação de pós-burocrática, no ambiente democrático.
Não obstante, o debate acerca das alternativas emergentes não tem se intensificado com o necessário vigor e aprofundamento tanto no plano acadêmico quanto no político.
Se por um lado, os atributos intrínsecos e as tecnicalidades de modelos e estratégias de inovação gerencial no setor público são exaltadas pelos seus segmentos propositores, por outro, algumas questões básicas têm sido relegadas a um segundo plano: em que extensão a busca da excelência burocrática ou pós-burocrática na administração pública brasileira está culturalmente associada com a exclusão da política, haja vista sua condição de portadora de influências e anseios patrimonialistas.

Neopatrimonialismo

O Estado brasileiro tem como característica histórica predominante sua dimensão neopatrimonial, que é uma forma de dominação política gerada no processo de transição para a modernidade com o passivo de uma burocracia administrativa pesada e uma sociedade civil (classes sociais, grupos religiosos, étnicos, lingüísticos) fraca e pouco autoritária.
O processo de modernização atual

Em razão da implementação da Administração Pública Gerencial, com status de norma constitucional (EC 19/98), várias ações têm sido adotadas para modernizar o serviço público, tais como:
- informatização da administração pública.
- utilização de redes de informações: intranet, internet.
- disponibilidade de acesso de serviços pela rede mundial de computadores: certidões, notas fiscais, imposto de renda, pagamento de tributos.
- criação de sistemas nacionais: SIAPE, SIAFI, SISDOR, COMPRASNET, SISCOMEX, SIAFEM, E-COMPRAS.
- capacitação de servidores.
- redução de níveis hierárquicos.
- meritocracia para comissionados.
- foco no cidadão.
- menor burocracia, maior resultado.
- profissionalização das organizações públicas: missão, negócio, objetivos.




ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: DO MODELO RACIONAL-LEGAL AO PARADIGMA PÓS-BUROCRÁTICO
Os conceitos de Administração Pública apresentados foram estabelecidos pelo Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (1995).
1)      Administração pública patrimonialista

Características:
1) Típico de monarquias, pré-capitalistas;
2) O aparelho estatal funciona como uma extensão do poder do soberano;
3) Os auxiliares do soberano e os servidores possuem o status de nobreza real;
4) Os cargos são considerados prebendas (pouco trabalho e alta remuneração);
5) As atividade públicas são realizadas sem responsabilidade (sinecura);
6)A res pública (bens públicos) não se distingue da res principis (coisa do soberano);
7) Sistema de privilégios pessoais: gerontocracia, oligarquia, filhotismo.
8)Consequência: Corrupção, nepotismo e não atendimento dos interesses da sociedade.

2)      Administração pública burocrática

Características:
1)      Surgiu no Estado liberal (democracia) – século XIX;
2)      Sistema idealizado por Max Weber fundamentado no sistema racional-legal de organização.
3)      Finalidade combater corrupção e nepotismo;
4)      Profissionalização do serviço público: mérito, carreira, formalismo, hierarquia, impessoalidade, cargo público;
5)      Controle rigoroso e a priori dos processos (meios) sem se importar com as necessidades da sociedade.
6)      Disfunções: excesso de fila, formalismo, corrupção, clientelismo.

3)      Administração pública gerencial

Características:
1)      Surgiu na segunda metade do Século XX;
2)      Decorre das atividades econômicas e sociais desenvolvidas pelo Estado;
3)      Busca a eficiência do serviço público e qualidade na prestação desses serviços;
4)      Desenvolvimento da cultura gerencial dentro da Administração Pública: uso das técnicas modernas de Administração gerencial (gerencialismo);
5)      Apoia-se na Administração Burocrática no uso de seus princípios;
6)      Controle nos resultados e não nos processos.

Exercícios
1  -  É pela perspectiva weberiana que podemos ver que o Estado brasileiro tem como característica histórica predominante sua dimensão neopatrimonial. Isto quer dizer que:
a) é uma forma de dominação política gerada no processo de transição para a modernidade com o passivo de uma burocracia administrativa pesada e uma sociedade civil  fraca e pouco autoritária.
b) é uma forma de dominação  política gerada pelo gerencialismo na busca de resultados sociais.
c) é o retorno do patrimonialismo focado no que estabelece a burocracia e o gerencialismo.
d - é o domínio da atividade burocrática especializada sobre a política tradicional.

2 - Assinale uma característica que não é comum antes da Era Vargas:
a) domínio da política por grupos oligárquicos
b) clientelismo
c) Política Café com Leite
d) meritocracia

3 - Em decorrência do sufocante Estado patrimonial, o Governo autoritário de Getúlio Vargas resolveu modernizar a Administração Pública Brasileira. Assinale a alternativa que não é causa desse processo modernização:
a) falta de qualificação técnica dos servidores públicos
b) crise econômica mundial que explodiu em 1929
c) difusão da teoria keynesiana que pregava a intervenção do Estado na Economia
d) presença dos paradigmas burocráticos difundidos por Max Weber, modelo racional-legal, utilizado na República Velha.

4 - O auge das mudanças administrativa no Brasil no período Vargas ocorreu em 1936 com a criação do (a):
a) Cia. Siderúrgica Nacional.
b) Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP)
c) Ministério do Trabalho
d) Brasília

5 - O DASP tinha como atribuição modernizar a máquina administrativa utilizando como instrumentos a afirmação dos princípios do:
a) mérito
b) descentralização
c) união do interesse público e privado em resposta ao patrimonialismo
d) hierarquia, pessoalidade, rigidez e universalidade das regras

6 - Atualmente na Administração Pública brasileira:
a) existe a cultura do gerencialismo, não sendo mais presente a cultura patrimonialista.
b) a cultura do gerencialismo, da burocracia e do patrimonialismo convivem juntas
e a especialização e qualificação dos servidores.
c) a cultura do patrimonialismo não é amais combatida
d) a burocracia foi totalmente substituída pelo modelo gerencial

7 - A primeira tentativa de reforma administrativa objetivando reduzir a influência do patrimonialismo foi realizada:
a) reforma de 1967
b) reforma de 1985 com a criação do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado
c) criação do DASP
d) administração paralela de Juscelino Kubsticheck

8 – A Administração Pública Gerencial surgiu no Brasil inicialmente:
a) Com a reforma Daspeana de 1936.
b) Com a incorporação das teorias de Max Weber à organização administrativa.
c) com a aplicação dos pressupostos da administração pública empírica.
d) com a reforma administrativa decorrente do Decreto-Lei nº 200/67.

9 – Considerando os modelos teóricos de Administração Pública, é incorreto afirmar que, em nosso país:
a) o maior trunfo do gerencialismo foi fazer com que o modelo burocrático incorporasse valores de eficiência, eficácia e competitividade.
b) o patrimonialismo pré-burocrático ainda sobrevive, por meio das evidências de nepotismo, gerontocracia e designações para cargos públicos baseadas na lealdade política.
c) a abordagem gerencial foi claramente inspirada na teoria administrativa moderna, trazendo, para os administradores públicos, a linguagem e as ferramentas da administração privada.
d) no Núcleo Estratégico do Estado, a prevalência do modelo burocrático se justifica pela segurança que ele proporciona.

Assinale V ou F, conforme sejam verdadeiras ou falsas as assertivas:

10. (CESPE/ TRE-MA / ANAL JUD/2005) Nos anos 30 do século passado, nos quadros de um regime autoritário, foi criada a burocracia profissional no país, cujo órgão central coordenador do processo de modernização foi o DASP.

11.      (CESPE/ MTE / ADMINISTRAÇÃO/ 2008) O Estado oligárquico, no Brasil, é identificado com a República Velha, e caracteriza-se pela associação entre as instituições políticas tradicionais e as entidades da sociedade civil mobilizadas em torno dos segmentos mais pobres e desprotegidos da população, por meio de fortes redes de proteção social.

12. (CESPE/INMETRO / GESTÃO ESTRATÉGICA - 2007) A criação do Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), na década de 30, representou um marco na busca da racionalização e do desenvolvimento de métodos e procedimentos padronizados para a atuação dos agentes públicos.

13. (CESPE/ MPS - ADMINISTRADOR/2010) O Estado oligárquico, modelo adotado no século passado, no Brasil, antes do primeiro governo Vargas, atribuía pouca importância às políticas sociais, o que fortaleceu o papel de instituições religiosas, voltadas para o atendimento das populações mais pobres e desprotegidas.

14. (CESPE/ STM / ANAL JUD/2004) A década de 30 do século passado caracterizou-se por uma significativa centralização no nível político e econômico. Nesse período, assistiu-se ao fortalecimento do Estado intervencionista, cuja expansão se deu mediante três linhas de ação: criação de órgãos e departamentos formuladores de políticas públicas; expansão dos órgãos da administração direta; e expansão empresarial do Estado.

15. (CESPE/ TRE-BA /ANAL JUD - ADMINISTRATIVA/2010) O período de 1937 a 1945, que ficou conhecido como Estado Novo, caracterizou-se pelas ações do poder absoluto de Getúlio Vargas, que suspendeu os direitos individuais do povo e extinguiu partidos políticos. Por outro lado, esse mesmo poder atendeu reivindicações trabalhistas como a limitação da jornada de trabalho, a instituição do salário mínimo e o reconhecimento do direito de férias remuneradas.

16. (CESPE - TCE-AC/ACE - 2008) A função orçamentária, como atividade formal e permanentemente vinculada ao planejamento, já estava consagrada na gestão pública brasileira quando da implantação do modelo de administração burocrática.

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